Giselle

Era uma tarde sem graça (e provavelmente fria, apesar de eu não me lembrar de tantos detalhes) de 1991. Hora do intervalo na escola onde eu cursava o primeiro ano do ensino médio (naquela época conhecido como “colegial”). Eu e alguns amigos estávamos indo em direção à escada que dava acesso ao pátio quando passamos por ela, que destacava-se na multidão com seus cabelos chanel pretos, lábios carnudos que contrastavam com sua pele branquíssima e olhos castanho-escuro grandes, de formato levemente amendoado. Não tinha como não prestar atenção nela! Imaginem uma mistura de Julia Roberts com Charlize Theron e vocês chegarão muito perto de como ela era.

Alguns meses depois descobri que seu nome era Giselle, assim mesmo, como dois “L”. A partir daí aquele nome nunca mais saiu da minha cabeça; meus pais, minhas irmãs, os amigos do meu bairro, todos eles passaram a conhecer a Giselle — não pessoalmente, mas eu sempre contava algo a respeito dela, sobre como ela era bonita, sobre sua doçura, sobre como eu adorava estar perto dela, conversar com ela.

Não sei se foi coisa do destino ou o quê (e às vezes, ainda hoje, me pergunto o que o destino queria me mostrar com isso), mas nos dois anos seguintes estudamos na mesma sala. E a partir de então não nos desgrudamos mais. Eu, tímido e franzino, nunca tive coragem de dizer o que eu sentia por ela, mas tenho certeza de que ela sempre soube que eu a amei. Não sei, contudo, se alguma vez ela conseguiu ter sequer uma noção da dimensão desse sentimento. Às vezes penso que ela foi a única mulher que eu amei verdadeiramente: se alguém me dissesse que eu teria que pular de um penhasco pra salvar a vida dela eu pularia sem pensar! Ela foi a única mulher pra quem eu realmente desejei me entregar de corpo e alma. Foi a única por quem senti algo sublime e puro, a única por quem a paixão veio antes do desejo sexual. Eu fazia tudo por ela, e faria qualquer coisa que ela me pedisse, e ela, com uma pureza que jamais encontrei em outra mulher, não se aproveitava disso; ao contrário, em alguns momentos ela até se constrangia diante de tanta dedicação, mas me retribuía com palavras singelas — palavras que eu agarrava com todas as minhas forças e não soltava por nada.

Até que um dia tive minha primeira grande frustração amorosa: ela namorava. E, pelo jeito, eles estavam felizes, apesar de ela se queixar, às vezes, de que seu namorado era meio bruto e possessivo a ponto de quase sufocá-la. Tudo o que eu fazia era dar indiretas do tipo “quando eu namorar eu não vou agir assim, pois uma mulher merece respeito”. Mas ela continuava com ele, e eu querendo gritar pro mundo o quanto eu a amava, o quanto eu queria que ela estivesse do meu lado pro resto da vida…

O destino, essa entidade um tanto persistente às vezes, fez com que entrássemos na mesma faculdade, no mesmo horário. Só que ela acabou desistindo do curso depois de duas semanas, e passamos a conversar apenas por telefone, até que um dia simplesmente não entramos mais em contato. Certa vez eu fiz um favorzão pra ela e ela me disse que se já não tivesse um namorado ela casaria comigo. Naquela hora eu gritava por dentro “então larga ele! fica comigo!”, mas minha boca não deixou escapar uma palavra. Naquele momento, talvez, a oportunidade mais preciosa da minha vida se perdeu pra sempre.

Lembro-me que eu cheguei a compartilhar com ela certos acontecimentos da minha vida: liguei pra ela no dia em que eu entrei pro Exército. Ela, por sua vez, dividiu comigo a felicidade de estar esperando um filho do namorado de longa data — namorado este de quem ela se separou alguns meses depois. Até o dia em que simplesmente deixamos de nos falar.

Nunca esqueci aquele rosto perfeito, aquele sorriso encantador, aquela simpatia e doçura contagiantes. Claro que não sinto o mesmo amor que um dia senti, mas quando penso nela sinto um misto de ternura e tristeza; como seria minha vida hoje se eu tivesse, em algum momento, dito tudo o que eu senti por ela? Arrisco dizer, até, que nem mesmo minha ex esposa, com quem tive meu relacionamento mais longo, foi agraciada com tanto amor e dedicação — e eu falei isso pra ela, inclusive, quando estávamos nos separando, num ímpeto de sinceridade e ódio profundos. Se minha ex se tornou um parâmetro para o que eu não espero de um futuro relacionamento, com certeza a Giselle é o meu modelo de amor ideal: somente serei feliz com alguém do meu lado se eu sentir por essa pessoa o que senti por ela.

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6 Comentários em “Giselle”

  1. nouniversoparalelo Says:

    recomendo que vc leia os 3 (logo serão 4) livros da série Ria da Minha Vida (Evandro Daolio)… dê uma olhada na visão dele nesse tipo de história, são bem interessantes…

    todos tivemos uma Giselle na vida… mas vou guardar o nome da minha aqui eheheh.,.,.,.,.,.,

  2. amorsemrazao Says:

    É concordo, todos tivemos uma Giselle em algum momento da vida. Engraçado é que elas sempre são parâmetro de comparação para todas as próximas e as anteriores rs…

  3. Isabel Says:

    E não existe a possibilidade de vc voltar a entrar em contato com ela?

    • autoajudasentimental Says:

      Então, Bel… eu perdi totalmente o contato. Já procurei no orkut mas aparentemente ela não tem perfil por lá. E o telefone da casa dela mudou já faz um tempão! Quem sabe um dia eu a encontro na rua, né? Vai saber o que o destino nos reserva… hahahha

  4. amorsemrazao Says:

    Um encontro a lá Butterfly Effects.


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